sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Gota a gota

Entregar o número da revista de Dezembro e começar, desde logo, a receber material para o número de Janeiro oferece-me um consolo e um amparo só entendidos por aqueles que, tal como eu, andaram muitos anos na esperança de encontrar trabalho de semana em semana, de mês em mês, como quem procura moedas perdidas nos bolsos, nas gavetas, sob os escombros das suas duvidosas opções de vida, escolhas menos certas, que os levam ao engano da fantasia que jamais se cumpre. De vez em quando, um balão de oxigénio, para de novo tombar no deserto. Outras vezes, um aguaceiro, chuvas caindo de repente, com abundância, a tornar quase impossível a gestão do tempo. E agora isto, a bênção de um trabalho em água corrente - ainda que em fina torrente -, um alívio, poder cumpri-lo a partir do meu "escritário", o mundo virtual a fazer a magia de anular o tempo e a distância. Dia a dia, gota a gota, um ofício que posso desempenhar por bons anos ainda, com a saúde que me resta.
É no mínimo irónico alguém ter como novo ofício a Revisão, depois de perder a visão de um dos olhos. Lembra-me um homem de uma perna só, empregado numa fábrica de próteses, um surdo numa academia de música, um maneta malabarista. É preciso sabermos brincar, não é? Rir do que não tem graça. Para que passe a ter. E, em especial, não esquecer a gratidão. Essa tenho de sobra, para com os anjos, como a chuva matando a fome da terra.

2 comentários:

  1. Como me souberam bem estas palavras em que me revejo, tanto e sempre.
    "na esperança de encontrar trabalho de semana em semana, de mês em mês, como quem procura moedas perdidas nos bolsos, nas gavetas, sob os escombros das suas duvidosas opções de vida, escolhas menos certas, que os levam ao engano da fantasia que jamais se cumpre".

    Gratidão, é o que sinto ao ler-te, Vera.

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    1. Eu é que agradeço o comentário, mas não sei com quem falo, não está assinado.

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