domingo, 29 de julho de 2012

Sombras

Enquanto escrevo neste caderno preto há um espectro de luz reflectido no copo de cristal à minha frente. Não é este, na imagem, mas podia ser. Dentro de mim guardo a modesta porção de vinho branco que continha e por isso ele ficou assim, vazio e inútil. A sombra deitada do seu corpo, a noventa graus, é feita de manchas e ondas sobre a mesa de madeira tosca de jardim, um jardim que não tenho. 
E neste caderno dou nascimento a paraísos e infernos onde me queixo, onde me culpo e desculpo, onde rabisco interrogações sem resposta, com letra torta e irregular, e respostas para as quais não sei a pergunta. 
O cão dorme sem expectativas. É feliz. Mais sábio do que eu. No calor da tarde basta-lhe uma sombra onde pousar o peso do corpo. As orelhas movendo-se, decifrando ruídos familiares ou inimigos. Ergue a cabeça em alerta, arfando, enxota uma mosca teimosa e logo torna a deitar-se, ao ver que nada, além da paz, nos acontece.

sábado, 28 de julho de 2012

Hoje

O dia depois da festa.
Uma noite mal dormida, cólicas que me dobram o corpo em dois, a cabeça apertada num torno, um ziiiim constante atrás dos olhos, os gestos de tartaruga, o corpo desobediente, a transformar a subida dos degraus da casa numa escalada ao Evareste. A veia temporal a latejar em queixumes, a mente numa semi-dormência. Semi-demência.
O dia depois do sucesso.
O fracasso e a falência do corpo.
Hoje só quero abraçar-me ao livro do José Luís Peixoto e que seja amanhã.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Obrigada!

Meus queridos escritores,
que andam comigo desde que aprendi a ler - primeiro a ver só os bonecos e a tentar ler as legendas, depois a ler textos pequeninos de letras gordas, para não maçar, até ver chegado o dia de sentir pena, ao terminar e fechar um livro de 600 páginas de letra miúda.

Hoje, em que se celebra o DIA DO ESCRITOR, tenho de vos gritar:

OBRIGADA!

Obrigada por me fazerem companhia no passar das estações
Obrigada por me fazerem rir, sorrir, chorar, pensar, sofrer, angustiar, crescer...
Obrigada por tudo o que me ensinam
Obrigada por todas as aventuras
Obrigada por tantas vezes me protegerem do ruído e fealdade do mundo
Obrigada por tantas vezes me fazerem descobrir o ruído e a fealdade do mundo
Obrigada por me ajudarem a entender o fascínio e a beleza de lugares aonde nunca fui
Obrigada pelos cheiros, sabores, ideias, texturas, cenários, sons, que eu descubro convosco
Obrigada pelos vossos versos e lugares, pelos vossas histórias, personagens e épocas inesquecíveis
Obrigada por tornarem o meu mundo pequenino num universo onde tudo é possível, estando deitada ou sentada na minha casa, numa sala de espera, numa paragem de autocarro, num jardim, numa esplanada, no automóvel ou à beira-mar.
Obrigada!

Aqui deixo uma amostra de alguns escritores que mais marcaram a minha vida até hoje.

HANS CHRISTIAN ANDRESEN 
AGATHA CHRISTIE


ENID BLYTTON

EÇA DE QUEIROZ




  
GUSTAVE FLAUBERT


FERNANDO PESSOA


CARLOS RUÍZ ZAFÓN
JOANNE HARRYS


SOPHIA DE MELLO BREYNER
  
VIRGINIA WOOLF

GABRIEL GARCIA MARQUEZ

ISABEL ALLENDE
MIA COUTO

ALAIN DE BOTTON (filósofo e ensaísta)
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
JOSÉ SARAMAGO







terça-feira, 24 de julho de 2012

Corpo

A pele a acastanhar-se, as horas derramadas sob o sol. Pelo meio, o fastio do que tem de ser feito e que deixo pela metade. A outra metade do tempo quero que seja de luz e de vento, de um livro, de um caderno preto, ambos se encharcando em gotas de água turquesa. O livro engorda-me o peito, de texto em texto, e abraça-me em tatuagens de palavras portuguesas que falam de morte, de filhos, de medos e do escritor. Sobretudo dele, o escritor. E o caderno preto decora-se de novos versos, em rascunho, na indefinição das minhas hesitações.
É o Estio, na preguiça que traz o calor, o suor, o músculo, todas as partes do corpo, debaixo de um céu sem nuvens, um manto celeste de cumplicidade, que me prende as ideias, e me deixa assim, corpórea. Vergonhosamente corpórea.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Versos


Em busca
Um dia luminoso dá-me todas as respostas
Que encontro melhor sem os velhos atalhos, 
Escondidas nas pedras, no caminho mais longo,
Na humidade das sombras, na esquina das ervas

Um dia de luz cega-me incertezas
Que eu semeio em reticências, em noites de lua
Nos bosques, nos becos, nas ondas, nas ruas

Fraca poesia existe no sol
Que no seu amparo nos deixa macios
Esvaídos de incógnita, vazios de porquês
Como bebés felizes, animais com o cio

No ócio do sol não me interrogo
Sou corpo, sem pensamento nem jogo
E o corpo não sofre, sem fingimento
Detém a candura de um simples momento

É na chuva, na noite, na névoa, no breu
Que tudo se aclara questionando o céu
Vã e vil conquista no que é fácil
Sem a revolta, em aceitação
Nunca um sim, a felicidade
Só a recusa, sem paz nem idade
Só a espessura
De um imenso não

(VERA DE VILHENA, 12 Março de 2012, poema inédito)

domingo, 22 de julho de 2012

Álvaro de Campos

Pudesse eu vingar-me da insónia escrevendo assim...! Obrigada, Isabel!


«Não durmo, nem espero dormir. 
Nem na morte espero dormir. 

Espera-me uma insónia da largura dos astros, 
E um bocejo inútil do comprimento do mundo. 

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo.»

Álvaro de Campos, in "Poemas" 

Insónia

São 5.56 e eu aqui. O sono não compareceu ao nosso encontro. Enquanto espero, leio  homenagens a José Hermano Saraiva, biografia, poemas e pequenos textos de José Luís Peixoto; leio o diário de JLP dos 5 dias no Festival Literário de Paraty, facebooko por um tempo imoral, encho os olhos com imagens que me transportam para cenários oníricos mas, ainda  assim, os sonhos não vêm. 
À minha direita a janela vai mostrando a cor azul-pálido da minha casa branca, iluminada pelos primeiros raios de sol. No horizonte, apenas o contorno do arvoredo, os pássaros que despertam acolhendo o madrugar, a tímida mancha alaranjada, ainda sem calor. Cá de cima, sem que me vejam, espreito os cães, estendidos, dormindo sobre a tijoleira do terraço. 6.08. O despertador marcado para as 9.00. Não me parece. Mas também não me parece que vá dormir tão cedo. Sim. É tão cedo. E para mim tão tarde.
Roubei a imagem aqui

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Freddie Highmore

Hoje, para celebrar o Dia do Amigo, deixo-vos com o trailler de um filme que revi ontem à noite com o meu filho: a história irresistível de dois tigres irmãos, separados na infância, e que acabam por reencontrar-se ao fim de um ano. Nem imagino o trabalho que deve ter dado realizar este filme, que é uma fantasia maravilhosa, protagonizada pela espécie de felinos que eu mais amo. Freddie Highmore ("Fábrica de Chocolate", "Arthur e os Minimeus", "A Bússola Dourada", etc.) faz, como sempre, um papel extraordinário, para a pouca idade que ainda tinha em 2004.
Um filme enternecedor, engraçado, emocionante. E que viva a amizade!


quarta-feira, 18 de julho de 2012

O sal dos livros

Gosto de ir retirando a perfeição aos livros. De deixar tatuados nas páginas os grãos de areia, que trazemos nos dedos, depois de um banho de mar. De deixar que a praia aconteça no livro. De deixar que pequenos carreiros de areia se vão acumulando no centro, a rechear a lombada, a marcar a minha leitura descuidada. De deixar cair sobre as margens, escorrendo pelo rosto e cabelos encharcados, gotas de água que vão salgando as personagens, dando-lhes sede, tornando a história sedenta de outras histórias, enquanto as páginas se enchem de círculos que amolecem e amarrotam o papel, aumentando o drama daquela folha acidentada. 
Gosto de ver o livro húmido e ondulado, semiaberto quando o fecho e o abandono, como uma ameijoa indecisa e cautelosa, a deixar entrever o seu interior, a convidar-nos a abri-lo de novo. 
Gosto da ponta das capas partindo-se, ganhando rugas brancas que quebram a fotografia imaculada e brilhante, do cheiro a maresia que as palavras do meu livro vão inspirando, em suaves inalações de gotas minúsculas, junto à rebentação das ondas. Da toalha estendida na areia molhada, a brisa revirando as folhas, o sol a iluminar cada frase, em jogos de luz e de sombra que o meu chapéu e os meus cabelos vão cumprindo, na dança do vento.
Gosto do aroma de paz e do prazer que recupero, a cada vez que encosto o nariz às suas páginas, a recordar um certo mês de Julho ou de Agosto, um certo Setembro, uma praia, uma certa vida que levava por esses dias. No verão em que esse livro entrou nos poros salgados da minha pele.
Pintura a óleo, Maré baixa, praia de Villeria
Paul-Michel Dupuy ( França 1864-1949)

sábado, 14 de julho de 2012

Funny cats

Muito bom, vale a pena ver até ao fim! :) Enjoy e bom fim de semana, sim? Divirtam-se!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Marta Hugon

Videoclip da Som Livre, 2006.
Amo isto: a Marta, o video (sem fins lucrativos, por sinal), os músicos, o tema, o arranjo. Com tantos detritos musicais a boiarem por aí, é maravilhoso saber que se vão fazendo coisas destas :)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Clear!

Então e os teus livros? Perguntam-me com alguma regularidade. 
Os livros na minha vida são os que leio. Esses sim. são "os meus livros". O que escrevo são textos. Mesmo que histórias, têm sido apenas isso, textos. Chegará o dia em que terei livros para partilhar. Hoje tenho ainda e apenas palavras e textos, desde um poema a centenas de páginas. Ainda não chegou o dia de anunciar esse disputado objecto de culto. Tenham paciência, que eu também tenho, muita.
Fico-me, por mais um tempo, como simples leitora; privilégio, diga-se de passagem, bem maior.

Então e a música? Perguntam-me também frequentemente, generosos que são familiares e amigos,  que mostram curiosidade quanto à minha vidinha. 
A música passou recentemente por uma operação de salvamento, quando já agonizava. Levou com o desfribilador e sobreviveu. O coração tornou a bater-lhe, fraquinho, mas a bater, numa pulsação definida pela fragilidade de quem insiste ainda em ser cigarra em plena crise. Porém, se fui sendo cigarra toda a vida, não será essa a forma mais segura que tenho, ainda assim, de ser formiga?
Cantemos, pois, que quem canta seus males espanta. E eu não canso de me espantar.

sábado, 7 de julho de 2012

García Lorca

Tão actuais, estas palavras de García Lorca...

"Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou mesmo a uma festa de qualquer índole que seja, se a festa é de seu agrado, imediatamente lembra e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. «Minha irmã e meu pai gostariam de estar aqui», pensa, e não desfruta mais do espetáculo, a não ser através de uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente de minha casa, o que seria pequeno e ruim, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça não desfrutam do supremo bem da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão.


Por isso nunca tenho um livro, porque ofereço todos os que compro, que são numerosos, e por isso estou aqui honrado e contente em inaugurar esta biblioteca da cidadezinha, a primeira seguramente de toda a província de Granada.

Não só de pão vive o homem. Eu se tivesse fome e estivesse à míngua na rua não pediria um pão; pediria meio pão e um livro. E daqui eu ataco violentamente aos que somente falam de reivindicações económicas sem jamais apontar as reivindicações culturais que é o que os povos pedem aos gritos. Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que desfrutem de todos os frutos do espírito humano porque o contrário seria convertê-los em máquinas ao serviço do Estado, seria convertê-los em escravos de uma terrível organização social.

Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar a sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não possui os meios, sofre uma terrível agonia porque são livros, livros, muitos livros o que necessita e onde estão estes livros?

Livros! Livros! Aqui está uma palavra mágica que equivale a dizer: «amor, amor», e que deveriam pedir os povos como pedem pão ou como desejam a chuva para suas colheitas. Quando o insigne escritor russo Fedor Dostoievski, pai da revolução russa muito mais que Lenine, estava prisioneiro na Sibéria, afastado do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro em carta à sua família distante, somente dizia: «Enviem-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!». Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água: pedia livros, ou seja, horizontes, escadas para subir a montanha do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura a vida inteira.

Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: «Cultura». Cultura porque somente através dela se pode resolver os problemas com que hoje se debate o povo, cheio de fé, porém falto de luz".

(Discurso do poeta Federico García Lorca na inauguração da biblioteca de sua cidade natal "Fuente Vaqueros" em Granada, Espanha em setembro de 1931)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Aelita Andre

Digam lá se os quadros desta menina não são maravilhosos. Este video já é antigo, ela agora é mais crescida, já tem...6 anos! :)

Escrita Criativa

Informo que irei dar uma oficina de Escrita Criativa na Ericeira, entre os dias 16 e 20 deste mês, em parceria com a
Horário: das 18.00 às 20.30

Para inscrições:
96 211 62 70 / 96 901 43 94
E-mail: geral.bgl@gmail.com

A escrita e a partilha como terapias





terça-feira, 3 de julho de 2012

Parabéns, Tomás!

O meu "neto" faz hoje 6 mesinhos. Está um bebé percentílico, comestível e, claro, charmoso como o pai e o avô. Tem as covinhas irresistíves da mãe e deve ser um dos bebés mais fotografados do mundo! É preciso aproveitar esta fase de inocência, antes que comece a mostrar mau feitio,  a dizer palavrões e a assaltar o bar lá de casa para dar uma "rave" às escondidas dos pais! Hehehe...
Como serão os tempos quando esse tempo chegar?
Quais serão as notícias nos jornais?
Este sofá é muito fotogénico, mas o modelo ajuda muito!

Parabéns, Tomás! Continua a crescer bem, cheio de saúde e boa disposição e, sobretudo, não dês dores de cabeça aos teus pais, combinado?

beijinhos para toda a família babada, nesta data especial :)

São os votos dos avós Nanã e Vera